RAUL POMPÉIA E O JORNALISMO POLÍTICO E LITERÁRIO NO SÉCULO XIX

Autores

  • Danilo de Oliveira Nascimento Universidade Federal de Mato Grosso

Resumo

RAUL POMPÉIA E O JORNALISMO POLÍTICO E LITERÁRIO NO SÉC. XIX Danilo de Oliveira NASCIMENTO. Resumo:A vida intelectual de Raul Pompéia (1863-1895) sempre esteve ligada à impressa do século XIX. O escritor exerceu durante os anos de 1886 a 1895 tanto o ‘jornalismo político’ quanto o ‘jornalismo literário’. Através de jornais como A Gazeta de Notícias e o Jornal do Comércio, Raul Pompéia pôde expressar sua defesa da República e da Abolição, sua compreensão sobre o ofício de jornalista, repórter e cronista, assim como publicar sua prosa de ficção e poética. O presente texto pretende situar o autor num contexto que revelou grandes nomes da Literatura Brasileira. Palavras-chaves: Literatura Brasileira, jornalismo político, jornalismo literário. Résumé: La vie intellectuelle de Raul Pompéia (1863-1895) toujours a été lié à la presse brésilienne du siècle XIX. L´écrivain a exercé pendant les années de 1886 jusqu´à 1895 tant le ‘journalisme politicien’ que le ‘journalisme littéraire’. À travers des journaux comme A Gazeta de Notícias et O Jornal do Comércio, Raul Pompéia a pu exprimer sa défense de la République et de l´Abolition, sa compréhension sur l´office de journaliste, de reporter et de chroniqueur, ainsi que publier sa prose de fiction et poétique. Le présent texte prétend situer l´auteur dans un contexte qui a revelé grands noms de la Littérature Brésilienne. Maîtres mots : Littérature Brésilienne, journalisme politicien, journalisme littéraire. A imprensa brasileira no século XIX se consolidou graças à presença de escritores e estes foram reconhecidos graças a ela. Ritual de passagem para Raul Pompéia e seus contemporâneos em que o aprendizado do ofício revela a presença do literato, do orador e do político (Sodré, 1977, p. 212), portanto, espécie de acordo entre a imprensa e a literatura brasileiras o qual, na opinião de Olavo Bilac, criou o vício literário, sintoma da aparente prosperidade dessa imprensa como de “banalização da linguagem literária” (Sevcenko, 2003, p. 126). Esse acordo também envolveu o Governo em alguns episódios e que, por isso contribuiu ao menos para “arranjar umas tiradinhas felizes de polêmica” (Pompéia, 1982, p. 478, Vol. IX) provocadas pela presença de jovens poetas nas pastas ministeriais ou cargos administrativos. O exercício do jornalismo por poetas, contistas e romancistas foi “testemunha muito eloqüente da mudança social do artista” (Sevcenko, 2003, p. 127), a presença deles contribuiu para a caracterização dessa imprensa e esta também atribuiu à sua ficção certa natureza estilística. Imprensa artesanal (Sodré, 1977, p.289), deficiente de técnicas de impressão e mal vista pelas oligarquias, mas reconhecida como instituição assim como o café de todo dia, uma espécie de “hábito artificial da civilização” cujo caráter imperativo a torna uma “necessidade vital” do “costume popular”. Se o governo aumenta o valor do café, o povo não reclama do aumento do valor do jornal por que o reconhece como “centros de defesa” (Pompéia, 1982, p.534-5, Vol. IX). A prática do jornalismo pelos escritores de ficção revela o desejo de poetas de “ver o próprio nome em letra de fôrma” (Neto, 1973, p.201), por isso, espécie de ornamento do diploma e da fortuna como também escape contra a “tirania da profissão” e das “especializações estreitas”. (Azevedo,1963, 303-5) A natureza “corruptora” ou “corrompida” desse jornalismo talvez tenha sua origem na concepção e na prática de imprensa protelada por jovens iniciantes, alguns deles com passagem pela Academia de Direito de São Paulo, espaço da chamada “imprensa acadêmica” (Sodré,1977, 226), portanto, jornalismo inevitavelmente político e politizado a despeito dos temas do dia. Veículo propício à divulgação imediata de ideais liberais blasfemos (Pontes, 1935, p. 09), por isso afronta aos escravocratas e aos professores do Curso de Direito também “escravocratas lastimáveis” segundo Raul Pompéia. No que diz respeito ao jornalista Raul Pompéia, sua vida de aluno na Academia de Direito de São Paulo marcará, de alguma forma, seu modo de fazer jornal e seu entendimento político sobre ele. Se na concepção de Brito Broca, a Academia de Direito era o “Estado dentro do Estado” (Broca, s/d, p. 27), seu ódio contra tal instituição o motivará ao exercício do “jornalismo político” caracterizado por uma “linguagem de guerra e combate” e em conexão com a prática discursiva e ficcional da época, nas quais a “palavra será sempre liça, luta, embate” e a ascensão social ou intelectual “batalhas, pugnas, combates” (Neto, 1977, p. 150). A compreensão de Raul Pompéia da imprensa como “poder extraconstitucional” (Pompéia, 1982, p. 150, Vol.VI), e portanto, de natureza doutrinária e dogmática e não poucas vezes partidária é tópico de muitas das suas crônicas, especialmente daquelas publicadas no Jornal do Comércio, ou surge de assuntos como o vício da jogatina. Para o cronista, a imprensa deve ter “cor política”, cor esta acentuada pela sua predisposição à sinceridade e à franqueza exacerbadas o que instigam à sua recorrente tendência ao registro da ironia: ao processo de escritura de crônica chama de “massa da franqueza” ou “hora das águas sujas”, às crônicas propriamente ditas de “careta de nossa impressão” ou “sabão servido” (Pompéia, 1982, p. 265 e 282, Vol IX). Neutralidade política é, na percepção pompeiana, disfarce dos interesses monárquicos que insistiam em perdurar nos primeiros momentos da República tais como propaganda do sebastianismo ou apoio à imigração estrangeira, sua prática jornalística de alguma forma reverbera o desejo compartilhado de alguns jornalistas, anterior ao século XIX, de criação de jornais como centro de defesa do povo e por isso “jornal de opinião” (Sodré, 1977, p. 236). Agitos e neutralidade políticas são assuntos de primeira ordem para Raul Pompéia e notadamente tudo aquilo que fizesse menção às transformações republicanas, de seus critérios de seleção sobre o que escrever do “pitoresco da vida cronicável”, a partir deles consagrou sua atenção uma “proporção respeitável à informação” ou “o comentário político” (Pompéia, 1982, p. 138, Vol. 3). As crônicas podem ser relatos detalhados de acontecimentos políticos e sociais, por isso configuram-se como propagandas do “jornalismo político” em suas mais diferentes manifestações e formas, além de demonstrar a perfeita sintonia do cronista com essa modalidade de jornalismo tão em voga em sua época. Essa sintonia tem muito de empolgação proselitista, de certa dose de ingenuidade idealística, mas também de aguçado senso crítico do processo e da importância do modelo como possível representante da “opinião pública”, do “poder público”, da formação do juízo político e da decodificação do “progresso dos costumes e o andamento da civilização”. A compreensão da política como “rainha do jornalismo” atende não apenas a todas essas expectativas, mas aquelas outras referentes à utilização da imprensa como veículo da politicagem, “do oposicionismo a todo transe”, da “sátira uniformemente agressiva”, fatos recorrentes que contribuem para descrença da crônica como “crítica social” (Pompéia, 1982, p. 286-7). Apesar de nivelar-se às notícias de crimes e boatarias, o “zunzum da política” sempre relacionado às finanças e aos resultados eleitorais (eleitoreiros) é “tema ruim por si mesmo”, algo como comida indigesta que “empanzina de pleonasmos uma leitura” (Pompéia, 1982, p.281, Vol. VI). Tais assuntos ajudam a vender jornal, mas cansa e é sempre má notícia reconhecida como “peça de descompostura”, “pirotécnica colorida do desaforo”, “epopéia de sátira” ou “poema de nadas e mesquinharias”. Contra a maledicência e boatos como estratégias de venda não há contraprova, apenas a constatação resignada da natureza e do ritmo empresarial da imprensa: fatos e opiniões são mercadorias de consumo, corrompidas à “moral dos ratos” em que motivos, argumentos, convicções e entusiasmos têm seu preço; raciocínios, boas razões, arroubos de dialéticas estão em tabela: “Vende-se a quilo o pletro! Vende-se a metro o nariz! Quer um quilo? Quer um metro?” (Pompéia, 1982, p. 314, Vol. IX). Nesta empresa, raciocínio perfeito tem seu preço, raciocínio colorido e ardente vale ouro. Se na adolescência e nos primeiros anos de juventude o alvo de Raul Pompéia sempre fora a instituição escolar e depois a Academia de Direito de São Paulo; na vida adulta, o cronista direcionou suas críticas e ataques à Monarquia, aos argentários, aos arrivistas e a própria imprensa aliada a eles. O ataque, sempre bilateral, aponta o sistema no qual a não correspondência de expectativas de certos segmentos sociais ou o confronto direto com os interesses destes segmentos, revela-se como fartão de acusações contra a imprensa fluminense, tida por um parlamentar jornalista como venal, fácil de se corromper e portanto anátema. Diante de tal acusação dura e violentíssima injustiça, Raul se pronuncia em crônica do dia cinco de julho de 1891: Imprensa susceptível de corrupção, órgãos de compreensão sobre o livre movimento do patriotismo dos verdadeiros patriotas, foi mais ou menos o libelo. Mas por que não acentuou melhor o digno parlamentar jornalista o seu ataque aos colegas de imprensa? Imprensa venal. Mas existe também a imprensa superior ao suborno; e, se acaso existe o jornalismo balcão, a censura acerba aos jornalistas corruptos, não devia abranger o jornalismo que se preza de ser honesto e patriótico e que de fato o é. Mas justo fora, a não se querer fazer acusação direta e franca, calar sobre a culpa de alguns, em respeito ao que não têm culpa, do que comprometer em massa a todos estes, para envolver no castigo os culpados. (Pompéia, 1982, p. 295-6) A promoção de uma imprensa de origem e caráter partidário ou a promoção de doutrinas políticas na imprensa notifica problemas com respeito à liberdade de imprensa ou liberdade de expressão durante a segunda metade do século dezenove. A paixão pelas doutrinas e pela expressão apaixonada delas incentiva as mais diversas injustiças e sua natureza combativa não apenas no que diz respeito à linguagem, mas a utilização da linguagem jornalística como convite ao combate corpo a corpo ou da cobertura de determinados eventos sociais considerados pelo cronista como de uma “gravidade excepcional’ por que trazem à tona os “ódios pessoais” entre jornalistas e entre jornalistas e o Governo ou determinados políticos, os recalques e as relações mal-resolvidas entre estas esferas públicas. Retaliação aos jornalistas é tema freqüente nas folhas noticiosas, freqüente na mesma medida do esperado e do conveniente. Retaliação da polícia e da política e ofensa dos outros escritores são, para o cronista, nesse último caso, “respingo de lama” que não deve ser tomado como “personalíssimo”, deve ser lembrado apenas em fim de crônica porque “fato mínimo” (Pompéia, 1982, p. 538, Vol. IX) e desdenhado: “Mas deixar de falar na ofensa; e ofensa fácil de esquecer é ofensa que não dói”. (Pompéia, 1982, p. 76, Vol VIII) Ataques e ofensas desdenhados, porém convenientes para os lucros da empresa imprensa: notícia que vende é notícia “fichada na polícia”, objeto de censura e de perseguição. Seqüestro de palavras e opiniões pela polícia é excitante para a curiosidade pública, a ação policial contra a publicação a edição do panfleto Remorso é, por sua vez e conseqüente, propaganda de venda e edição esgotada para A Gazeta de Notícias e Diário de Notícias. (Pompéia, 1982, p. 214, Vol. VI) A postura doutrinária e combativa do escritor e jornalista não fora apenas expressão de seu temperamento, mas reflexo do modelo francês de imprensa que vigorava no país na segunda metade do século XIX e adequação a ele, em cuja prática considerava bem vinda a literatura – diferentemente do modelo americano que surgia ao fim desse século – e a doutrinação política (Bulhões, 2007, p. 22). Em suas crônicas, Raul Pompéia revelou-se sujeito que almejava o estatuto de escritor literário quanto militante político, sua tendência à oratória e à eloqüência também apontou o que havia de pior no modelo francês de imprensa: a verborragia, a ornamentação e o rebuscamento. De outro modo, o modelo francês de imprensa valorizava a presença de Èmile Zola como precursor de jornalismo doutrinário, aquele que ao corresponder literatura e política tende a cultuar os fatos, captar o flagrante da vida empírica e desfazer ilusões. Se até a década de setenta do século XX, críticos literários insistem em rotular O Ateneu de romance naturalista, isto de alguma forma faz sentido no instante em que o consideramos produto das crônicas diárias de Raul Pompéia, estas à margem dos preceitos zoalianos de jornalismo. No ano de 1886, Raul Pompéia ingressa no corpo de redatores do Jornal do Comércio, nele, será responsável pelas seções de folhetins semanais “Aos Domingos” e “Lembranças da semana” (Sodré, 1977, p. 303), nas crônicas, Pompéia, além de uma série de temas, deixará registrado o modo de concepção do jornal, sua visão sobre ele e sua prática jornalística que trará sempre em seu bojo a presença do ficcionista e do afeiçoado às artes de uma maneira geral. Além desse jornal, Raul Pompéia trabalhará em outra folha muito representativa do período, A Gazeta de Notícias, enquanto aquele apontará uma das muitas ironias na vida do escritor e do jornalista – um cidadão engajado e combativo trabalhando em um jornal “provecto, sisudo e distanciado da campanha republicana” (Sodré, 1977, 280), o jornal de Ferreira de Araújo fundado em 1874 “um tanto no estilo norte-americano e uma espécie de ‘grande vitrine” (Machado, 2005, p. 07), se pretenderia popular, barato e liberal e primeiro jornal a valorizar o “jornalismo literário” ao conceder espaço privilegiado aos poetas e escritores de ficção, além de tendencioso desprezo pelas “misérias e mesquinharias da política” (Sodré, 1977, p. 257), com A Gazeta de Notícias, portanto, “a imprensa conquistara características definitivas”. (Sodré, 1977, p. 258) Raul Pompéia como escritor de ficção e como jornalista representará a chamada “atividade fronteiriça”, segundo Djacir Menezes (1954) ou, assim como a política, “desdobramento da atividade literária” (Brandão, 1988, p 57), segundo. Um tipo de atividade nutrida pela paixão, pelos ideais, mas que não proporcionava estabilidade financeira, exceção a figuras como José de Alencar e Coelho Neto, os escritores jovens exerceram o ofício de jornalista por que apadrinhados de Valetim Magalhães, o “comedido e regular” Ferreira de Araújo e o “generoso” José do Patrocínio (Neto, 1973, p. 52), e em torno deles os “poetas, prosadores e jornalistas curtiam a fome, à espera do vale, impossível, em honra à abolição e à literatura” (Menezes, 1954, p.228-9). No caso de Raul Pompéia, Capaz (2001) informa que o escritor exerceu tal ofício sem “grandes ilusões quanto ao êxito financeiro” diante da consciência do cenário da imprensa: (.....) Só a entranhada vocação, que se confundia com um verdadeiro sacerdócio, poderia explicar tal perseverança, num meio social em que a vida literária, com as invejas e mesquinharias conhecidas, já naquele tempo era mais importante que o ato puro e simples de escrever e de publicar o que se escrevia. Em conseqüência, eram inúmeros os casos de escritores que se esgotavam no primeiro livro, abandonando as letras por funções mais rendosas no funcionalismo, na diplomacia ou no campo das profissões liberais.” (Capaz, 2001, p.36) A época do jornalismo praticado por Raul Pompéia é considerado por especialistas como Marcelo Bulhões (2007) como período importante para o desenvolvimento da imprensa jornalística e a sua feição industrial conhecida em nosso tempo. Seu reconhecimento “como atividade lucrativa e aparelho industrial de produção de notícias diárias dá-se apenas no final do século XIX e início do século XX” (Bulhões, 2007, p. 23-7). A tradução de romances folhetins franceses, a publicação de romances folhetins brasileiros à moda dos franceses e a redação de crônicas podem ser considerados como moedas para os jornalistas nesse mercado de informações, de especulações e de publicidade e “laboratório” para os ficcionistas que necessitavam desse “mercado” para sobreviver. Além de saciar a vontade de escritores jovens e aspirantes às glórias da Letra Nacional, a escritura de crônicas servia como “amparo financeiro” a esses aspirantes, situação pouco nobre e origem de uma série de ressentimentos, mas fundamental para tornar visíveis autores como Machado de Assis e Olavo Bilac, estes, casos atípicos nesse cenário, pois além da notabilidade, recebiam remunerações nada desprezíveis (Bulhões, 2007, p. 49). Apesar de focalizar sua prática jornalística na cobertura, relato e comentários dos fatos políticos, sobretudo, durante os últimos anos da sua vida, é possível notar que a arte e a literatura, em específico, mantiveram-se, de uma forma ou de outra, presentes naquilo que se convencionou chamar de “jornalismo político” associado, portanto, ao “jornalismo literário”. Se o jornalismo e suas técnicas se fazem presente na ficção pompeiana, esta também se revela naquele de maneira sutil e variada: suas concepções sobre arte e sobre arte literária, suas críticas de arte e de literatura emergem na escritura das crônicas e artigos políticos, na leitura desses textos podemos identificar a aplicação de suas teorias sobre artes encontradas em seu caderno de notas íntimas, arte considerada “embriaguez da vida” ou como “vaidade em perpectiva” (Pompéia, 1982, p. 138, Vol X). Essa arte que embriaga é contraditoriamente seu veneno diário, se o fazer artístico trapaceia a hora da morte, também corresponde a consciência da sua dependência existencial estética: “O êxtase é uma decepção singular que nos prostra para cima” (Pompéia, 1982, p. 142, Vol X). As artes e a arte literária são rastros deixados em toda sua produção não ficcional, assim como crítica e teoria sobre as artes o são em sua produção ficcional, assim ele cumpre o conselho e o segredo de exercer a criação artística como uma boa higiene contra os desgostos da vida e para os que querem cometer suicídio, conforme preceitua, com certa ironia cruel, em crônicas do dia 13 de janeiro de 1890. O exercício do “jornalismo político” denota marcas de estética e do estilo literários de Raul Pompéia, a prática do “jornalismo literário”, por sua vez, destaca o combativismo tendencioso característico do escritor em suas crônicas e artigos políticos. A redação de textos políticos ocorre simultaneamente à escritura de seu principal e fracassado projeto estético: Canções sem Metro. As crônicas sobre arte e literatura, produto imediato do “jornalismo literário” de Raul Pompéia ladeiam a publicação de poesias em prosa de Canções sem metro e apontam em nível de “discurso teórico”, no primeiro caso, e em nível de “discurso estético” no segundo caso, a tendência combativa do autor nutrida de suas frustrações como escritor de ficção em exercício de jornal. O jornalismo literário de Raul Pompéia também criou “condições gerais para a existência de uma vida intelectual intensa” (Neto, 1973, p.88), além de contribuir para a compreensão de uma série de contradições e ironias referentes à produção e recepção da sua ficção, o que de alguma forma o singulariza como cronista e como ficcionista. Como expressão de prazer e desgosto de Raul Pompéia, a imprensa, como uma das “redes institucionais basilares” (Brandão, 1997, p.73) possibilita a publicidade das obras do autor e também a publicidade do exercício crítico de Raul Pompéia sobre outros escritores e poetas. A crítica a estes, bem como a publicação da ficção pompeiana, seu percurso e percalços, denotam as concepções e visões do cronista sobre arte e literatura e apontam a existência de um sujeito que se como jornalista lida com o vulgar e o ruim cotidianamente, como escritor de ficção lida com a “impossibilidade” de conexão entre imprensa e arte literária. A imprensa do século XIX possibilita a consolidação do regime democrático, por isso a convivência diária com o ruim e com o vulgar, convivência sempre desgostosa para Raul Pompéia, em específico ao se tratar daquilo que ele rotulou de “literatura espontânea” de jornal: comercial ou da moda. O exercício da crítica literária pelo cronista é sempre expressão do horror às letras brasileiras da segunda metade dos oitocentos por que sentimento imediato da constatação de que a imprensa precisa vender jornal que vá ao encontro dos interesses de temas e assuntos dos leitores da época, some-se a isto o fato de que donos de jornais não levavam a sério aquilo que Raul Pompéia exercitava com muita seriedade: literatura e crítica. É neste meio excelente de vulgarização, de mercantilidade e de esterilidade que viceja a literatura do cronista, ela, de alguma forma, é também exemplo de “divagações jornalísticas” (Veríssimo, 1936, p. 10), por isso exercício contínuo da imprensa e influência dos produtos dela: romances fancarias e romances naturalistas, essa convivência não deixa de representar certo contágio: Raul Pompéia escreveu O Ateneu em três meses e publicou-o na Gazeta de Notícias, jornal popular e ousado de propriedade de Ferreira de Araújo cujo objetivo era penetrar em todos os lares a um custo de 40 réis, romance, portanto, resposta e submissão ao ritmo mercadológico da imprensa e aos interesses de leituras do público consumidor de jornal. Romance que adota, sob certa perspectiva, a escrita jornalística, mas que afirma a subjetividade de quem lembra como indício de sua radical repulsa “pelas mais diversas formas de publicidade” (Süssekind,1987, p. 59). Literatura e crítica de arte e literária publicadas na cozinha do jornalismo são produtos marginais e, reflexo da presa da imprensa, por isso, como matéria de jornal “organizada pela impaciência do leitor” (Walter Benjamin, 1985, p.125). Elas surgem uma da outra e possibilitam a prática uma da outra, espécie de intersecção que, de algum modo, dificulta estabelecer limites de fronteira: a imprensa possibilita a publicação de romances e poesias, delas e nelas é possível identificar o exercício crítico contra as produções literárias publicadas na imprensa e contra a imprensa que as publica: a ficção é crítica e a crítica também se torna, sob certa medida e intenção, ficcional. É desse ritmo simultâneo e apressado que encontramos as chamadas “ilhas ensaísticas” sobre teoria da narrativa pompeiana em textos ficcionais e não ficcionais do escritor. Além disso, tal ritmo aponta a existência de um sujeito que não era profissionalizado, mas um autodidata como a maioria dos intelectuais e literatos da época, ou seja, jornalista sem formação específica em jornalismo e romancista sem formação específica para escritor. Nesse contexto, Machado Neto (1976) aponta a inexistência da Universidade como fator determinante de tal situação e indica Sousândrade e Oliveira Lima, “ambos formados em letras no exterior” (Neto, 1973, p. 102) como exemplos de exceção. A falta de especialização, no entanto, não impediu Raul Pompéia de tornar público, de maneira indireta e/ou integral, os apontamentos e rascunhos estéticos de seu caderno de notas íntimas em suas crônicas e em O Ateneu, basicamente. A crítica literária e de arte assim como a ficção de Raul Pompéia ocorre em período da juventude que se amadurece em termos de imprensa e de literatura no país, de alguma forma, seu exercício perpetra as relações entre “literatura e técnica” ou a redefinição da literatura como técnica, por isso “processo embrionário de profissionalização do escritor” (Sussenkind, 1987, p. 13). Raul Pompéia publicou suas críticas de arte e literária em vários jornais, mas efetivamente na Pandora Crítica, seção mantida no jornal A Gazeta de Notícias e também em seções do Jornal do Comércio. Suas crônicas sobre artes e literatura seguem a lógica da crítica a nível jornalístico: resume a obra, analisa-a brevemente e emite “uma opinião no sentido de orientar o público leitor”, em miúdos, ela expressa características delineadoras desse tipo de crítica, no geral, baseada em simpatias e desafetos, impressões pessoais, discussões em torno da recepção da obra, e, mesmo que, o cronista não hesite em “desvalorizar” poesias, contos e até livros de crítica literária a partir do reconhecimento de seus produtores, a escolha das obras já é “uma valoração invariavelmente positiva”. (Lyra, 1980, p. 91) Substancialmente, o alvo da crítica pompeiana é a mediocridade do ambiente cultural, artístico e literário do Brasil da segunda metade do século XIX evidente não apenas a partir dos produtos culturais e artísticos, mas do comportamento de seus produtores, ambos sob o olhar crítico de Raul Pompéia. O exercício da crítica de jornal é promoção ou não de escritores e artistas assim como identificação da imprensa como canal que os torna visíveis a despeito da qualidade das suas produções. Raul Pompéia caracteriza seu exercício crítico como combate ao amadorismo, à improvisação e à impulsividade, indícios imediatos da péssima literatura de jornal, esta, espécie de “postura” de rapazes “sequiosos de atrair a attenção, ainda por meio escandalosos ou pela solicitação ignóbil do noticiário amigo” (Veríssimo, 1936, p. 10). Ironicamente, o jornal que publica matérias sobre a vida e o meio literário é também alvo de suas críticas no instante em que o cronista aponta a imprensa ou a atividade de jornalista com uma das causas da inconsistência das produções literárias. A imprensa como local (não) conveniente para a divulgação de poesias e romances também o é para a sobrevivência e para a promoção social, deste modo, é possível colocar a situação nesses termos: o problema é decorrente de o literato utilizar a imprensa para sobreviver e que nas horas vagas produz sua literatura ou é o jornalista pretender-se à condição de escritor ou de poeta? De uma forma ou de outra, constata-se a impossibilidade de viver de literatura em uma época cujo único meio de produção, recepção e consumo foi o jornal, utilizado, de um modo ou de outro como atestado do nível cultural de seus “contribuidores” Referências Bibliográficas AZEVEDO, Fernando. “A vida literária”. In: A cultura brasileira. 4ª ed., Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963. BENJAMIN, Walter. “A obra da arte na era de sua reprodutividade técnica.” In: Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política. Brasiliense. Trad. S.P. Rouanet. SP: Brasilense, 1985. BRANDÃO, Luís Alberto. 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Biografia do Autor

Danilo de Oliveira Nascimento, Universidade Federal de Mato Grosso

Professor de Teoria Literária e Literatura Brasileira do Depto de Letras - ICHS- Campus Universitário de Rondonópolis - MT

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Publicado

2009-06-25